segunda-feira, 31 de março de 2008

EDUCAÇÃO E CIDADANIA

Há um consenso universal de que o acesso à Educação é direito de todos, embora ainda não se cumpra esse preceito na maioria dos países do mundo. Entretanto, desde a Revolução Francesa, passando por todas as doutrinas sociais e políticas dos séculos XIX e XX, inclusive a marxista e a liberal, a formação do homem foi direcionada para a formação do cidadão, ou seja, para fazer dele membro de uma comunidade política, à qual deve se ajustar, conhecendo seus deveres e direitos.
A idéia de Educação para todos é, porém, mais antiga que a Revolução Francesa, que reduziu a sua dimensão sociopolítica. Ela pertence ao grande Jan Amos Comenius, século XVII. Mas para o educador tcheco, educar é formar integralmente, atendendo a todas as dimensões humanas: social, política, religiosa, cognitiva, afetiva, moral etc.
A crescente laicização do pensamento nos últimos séculos - sem dúvida necessária como contraponto ao fanatismo religioso do passado - acabou arrancando do homem aspectos constitutivos de sua natureza, o que acaba por aleijar o sentido da Educação, fazendo dela mera adequação ao meio ou mero desenvolvimento da espécie.
A cidadania é uma das contingências da vida humana, mas não abarca o ser por inteiro. É apenas a sua vida de relação sociopolítica. Acima e além dela está o ser do homem, espiritual e transcendente, individual e único e é esse que deve se tornar, em primeiro lugar, objeto da Educação.
A mera formação para a cidadania pode fazer o homem frio, encaixado no sistema social, ávido pela satisfação dos seus direitos, cumpridor às vezes contrafeito de seus deveres, mas esvaziado de sentimentos profundos, de amor ao próximo e de espiritualidade. Quando baseamos toda a nossa relação humana em mecanismos de direitos e deveres sancionados pelo Estado e pela sociedade, podemos nos tornar peças indiferentes e alienadas de nós mesmos.
A ênfase excessiva na cidadania é um entendimento do homem apenas em seu aspecto social e uma tentativa de fazer dele uma engrenagem bem ajustada ao sistema. Essa visão está geralmente ligada à Ética, concebida apenas como regras sociais a que o indivíduo deve se conformar. A concepção espiritualista, ao contrário, é a de que a moralidade reside na consciência íntima e independe de regras externas.
Outra característica dessa linha de pensamento - que é a vigente entre os herdeiros atuais do marxismo em declínio e igualmente entre aqueles que se dizem néo-liberais - é o exacerbamento do legalismo e portanto de uma crença ilimitada no "fazer justiça". A sociedade procura reger-se por leis cada vez mais rígidas e implacáveis - tendência que se observa no Brasil, atualmente, numa imitação desarrazoada de países do chamado primeiro mundo - como se a justiça social pudesse ser garantida pela mão férrea da lei.
O resultado disso, tanto no plano social, quanto no plano pedagógico é a postura repressiva. O cidadão é forjado pela obediência às leis, sejam elas regras impostas por um poder externo (o Estado ou o educador), ou regras voltadas e, memso aceitas, pela maioria (o povo ou as crianças). O fato de terem sido convencionadas pela maioria, não lhes tira o caráter repressivo, acompanhadas que são de sistemas de coerção e punição.
Nisso se resume toda a Educação para a Ética, de muitos discursos atuais.
A posição de quem vê no homem algo além do ser social é muito diversa. Em primeiro lugar, o ser humano vem antes do cidadão; o amor está acima da justiça e a moralidade é algo intrínseco ao homem, que precisa ser despertado e não imposto.
Prova de que a formação do cidadão, mesmo instruídos nas melhores escolas, não promove a felicidade humana e não resolve os problemas da sociedade está justamente nos países, ditos civilizados. Lá as leis funcionam com rigidez, há escolas para todos, há consciência política e participação social. Entretanto, os suicídios, as drogas, a delinqüência juvenil e outras tanats mazelas estão longe de encontrar solução.
Tinha razão Pestalozzi quando dizia: "Se eu alcançar na minha condição e na profissão tudo o que posso alcançar, se minha felicidade está garantida pelo direito, em suma, se eu, no pleno sentido da palavra, for um cidadão e se a palavra país, liberdade, soasse novamente na boca dos homens honestos e felizes, estaria eu satisfeito no meu íntimo? Deveria pensar q sim, mas não é verdade, o direito social não me satisfaz, o estado social não me realiza, não posso permanecer tranqüilo sobre o ponto de vista de minha formação civil, quando não posso permanecer no mero prazer sensual e animal."
A Educação sem um propósito de transcendência é uma idéia vazia e estreita e pode sempre se tornar instrumento de manipulação dos poderes sociais.

INCONTRI, Dora.
A Educação da Nova Era. São Paulo. Editora Comenius, 2001

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